sábado, 17 de novembro de 2012

Cavalo de Tróia: Sobre Nós




















Oscar Wilde dizia que a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida. Entretanto, se o escritor irlandês estivesse vivo para assistir ao espetáculo Sobre Nós, da Uma Companhia de Teatro, ficaria em dúvida sobre sua afirmação. A peça, baseada exclusivamente em histórias contadas por integrantes da plateia, responde à essa pergunta clássica, em improviso, com a encenação de trechos da vida de cinco pessoas aleatórias.

Dirigido por Mariana Muniz, Sobre Nós recolhe essas histórias dos espectadores minutos antes do início do espetáculo. Enquanto o público se acomoda na plateia, o elenco composto por Diogo Horta, Hortência Maia, Mariana Vasconcelos e os atores convidados Frederico Bottrel (foto) e Flávia Almeida se reúnem no palco com os técnicos de som e luz – Pedro Rabello e Bernardo Gondim, respectivamente – para escolher as histórias e a forma como serão encenadas junto à iluminação e trilha sonora – também, logicamente, improvisadas.

Apesar de se esperar alguma desorganização no que diz respeito à estruturação das cenas, percebe-se que a improvisação se trata de um modelo pré-determinado: três histórias longas divididas – como uma boa redação de colégio –, em três atos de princípio, meio e fim, alternados entre as demais narrativas, mas seguindo a mesma ordem cronológica. O desfecho da história se estende a uma explicação do ator sobre o acontecimento; um pedido necessário frente à encenação confusa de um caso relativamente simples, que passa por uma desconstrução e infeliz releitura em três partes. A variedade de elementos cênicos presentes na coxia, assim como as três araras de figurinos à espera do inesperado, são, em certos momentos, visíveis ao público por uma tela, transparente ou não, de acordo com a iluminação.

Na noite de 30 de setembro, as histórias escolhidas foram: uma mulher com problemas conjugais que tenta se matar com veneno de rato, mas não obtém sucesso; dois irmãos, que saem de Paracatu (MG) para estudar em Belo Horizonte, recebem a notícia de que a mãe está morrendo e não conseguem chegar a tempo no enterro na cidade, a 500 km da capital; e uma menina que, pulando corda na rua, cai e é levada desnecessariamente ao hospital por uma ambulância que passava por ali. A família, alarmada pelo sensacionalismo dos médicos, desespera-se e começa a rezar uma novena. Em meio a isso, o grupo joga com dois monólogos curtos - e surpreendentemente mórbidos - de alta densidade dramática, também sobre suicídio e morte.

Drama e comédia, mas não necessariamente um espetáculo tragicômico. Contudo, é exatamente a oscilação entre esses dois gêneros que diferencia Sobre Nós dos demais espetáculos de improviso, incluído aqueles produzidos anteriormente pela mesma companhia de teatro, como Match de Improvisação e Improcedente, peças “sempre inéditas” no quesito de contexto, mas não de gênero, “sempre comédia”. A inexperiência dos cinco atores com o drama transparece na atuação, dando um tom caricatural a essas histórias que envolvem temas sérios e sem absolutamente nenhum teor de humor. No entanto, a plateia – cocriadora do texto – aparenta indiferença em relação à forma cômica com que suas histórias são representadas; e riem da desgraça alheia, literalmente.

A proposta, entretanto, é ousada. Sobre Nós é uma peça relativamente comum no cenário teatral, pois se encaixa facilmente nos parâmetros de um espetáculo dito “comercial”. Apesar disso, a ideia de Mariana Muniz se sobrepõe às outras no momento em que explicita aquilo mais característico do teatro: o processo contínuo de construção. O estilo interativo da peça pela participação efetiva do espectador no remodelamento do produto final é interessante, mas extremamente arriscado. Em um espetáculo comum, com texto já determinado, essa interação se dá em escala menor e, caso não haja uma resposta esperada, a peça segue normalmente. No caso de Sobre Nós, a participação do público é determinante para que o espetáculo se desenvolva. Assim, a obra de Mariana Muniz depende inteiramente não só da habilidade de improviso e da capacidade de criação dos atores, mas da disposição de boas histórias. 
















Essa dependência na boa vontade de Nêmesis e sua roda da fortuna é algo que causa dúvida no espectador menos cético em relação à autenticidade da improvisação. A equipe tampouco é ingênua e admite que, em alguns momentos, as histórias do público misturam-se aos relatos dos próprios atores, salvando o fragmentado jogo dramatúrgico da escassez de boas histórias.

Entretanto, essa relação entre a realidade e a construção ficcional não está explícita na encenação. As narrativas, encenadas de maneira fragmentada, mostram-se no palco um produto extremamente achatado do entretenimento, fantasiado com o pouco drama envolvido nas histórias, numa tentativa falhada de fazer transparecer o lúdico. Assim, apesar do esforço de desligar-se de uma forma hegemônica do teatro contemporâneo, Sobre Nós não provoca um tensionamento crítico no espectador acerca daquele fragmento de realidade reproduzida, buscando apenas submergir o sujeito em suas próprias emoções despertadas pela peça: compaixão, tristeza e histeria.

Essa ideia de provocar uma sensação no espectador se mostra de maneira clara na escolha dos casos a serem encenados. Não basta ser inusitado, é preciso também haver uma possibilidade de explorá-lo de uma maneira que cause um efeito prescrito e fechado. Pelo que foi visto nessa noite, quem sabe numa próxima. Afinal, é impossível uma apresentação ser exatamente igual à anterior, ainda mais neste espetáculo. 

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