O Teatro Mágico, grupo formado em 2003 em Osaco (SP), lançou ano passado o novo disco, completando sua trilogia. Como esperado, a trupe também manteve sua filosofia de “Músicas Para Baixar (MPB)”, em que permite o compartilhamento gratuito de arquivos musicais via internet, disponibilizando as faixas inéditas no próprio site. Dessa forma, originalmente trabalhando sem o apoio de gravadoras ou promoção midiática, o nome – e o tema – do novo CD era algo esperado.
A Sociedade do Espetáculo (2011) é um trabalho mais maduro em relação aos outros dois discos da trupe, buscando certa inovação estética musical ao reunir elementos cosmopolitas e localistas; uma fusão de ritmos que apresenta influências desde a vaneira sulista até o movimento musical do Clube da Esquina. Além disso, o trabalho melódico com mais de dez instrumentos, além de sonoplastia adequada, ajudam a compor a obra, produzida por Daniel Santiago e Hamilton de Holanda, um dos principais expoentes da música instrumental contemporânea brasileira.
O mais interessante do disco, entretanto, não está nas melodias brandas, mas nas letras das músicas, que retornam, após oito anos, com o engajamento crítico proposto originalmente, até então esquecido no primeiro trabalho; Entrada para Raros (2003). Já no nome do terceiro disco – A Sociedade do Espetáculo –, percebe-se a proposta diferenciada da trupe ao pegar emprestado o título do livro do francês Guy Debord. As 19 faixas do grupo de Fernando Anitelli refletem os respingos, variáveis em sua proporção e explicitude, da influência filosófica de Debord. O escritor francês critica basicamente o modo capitalista de organização social, que separa e reifica – no aspecto fetichista – a vida humana. Nesse sentido, o espetáculo seria uma forma de dominação das massas; a imagem sendo o elemento organizador de uma sociedade de consumo, que inverte os conceitos de realidade e ficção.
No disco, o tensionamento debordiano pode ser facilmente identificado em “O que se perde enquanto os olhos piscam” (nona faixa), que critica de forma explícita a questão do consumo, colocando mais de 35 objetos do cotidiano, como “pé de meia, carteira, brinco e aparelho dental” em melodia acelerada para intensificar a ideia do fútil perecível. No fim, um questionamento que pode ser atribuído à ideia de massificação: “pra onde foi a versão original?” Seguindo essa linha, “Esse mundo não vale o mundo” (vigésima sétima faixa) também aborda (a partir de um trocadilho com a estrofe “o mundo não vale o mundo, meu bem” do poema “Cantiga de Enganar”, de Carlos Drummond de Andrade) a perda da originalidade, criticando a ditadura da beleza e os aspectos de uma sociedade repressiva e pseudo-homogênea: “Ter direito ao corpo e ao proceder, sem inquisição. A impostura cega, me surda e muda. A quem convêm esta hetero-intolerância branca, te faz refém”.
A regravação de “Eu não sei na verdade quem eu sou” (sétima faixa), reforça a crítica social da trupe. A música faz referência à massificação do indivíduo e sua resistência a partir da diferenciação de sentidos, indagando: “por que a gente é desse jeito, criando conceito pra tudo que restou?” Sob um aspecto mais íntimo, a música “Da entrega” (quinta faixa) reflete as implicações da sociedade midiática sobre o sujeito, no sentido do forte individualismo narcisista, das relações superficiais e, como indica o título, da dificuldade da “entrega”. Ou seja, apresenta a vulnerabilidade do homem em uma proposta de ruptura com essa condição contemporânea. Este é o sentido mais diluído ao longo das 19 faixas, mesmo que menos perceptível quando comparado à questão materialista.
É interessante pensar também na resistência extremamente sutil presente no próprio gênero de “pop moderno” que a trupe propõe em A Sociedade do Espetáculo. O pop é considerado muitas vezes não um ritmo específico, mas um sistema de valores que envolve espetáculo no palco, moda visual e empatia entre o público juvenil. Características facilmente atribuídas a O Teatro Mágico, que conta com três artistas circenses para os shows, além das caracterizações típicas do membros. Isso num momento inicial, o que pode levar a uma interpretação equivocada sobre o trabalho desses dez músicos.
Através da cultura pop – geralmente atribuída à uma arte adesista –, Fernando Anitelli tensiona esse sentido de uma música massificada ao compor letras que criticam não só os produtos midiáticos que ele também ajuda a produzir, mas a sociedade midiática como um todo. Dessa forma, o artista adapta de maneira louvável uma estratégia debordiana de resistência à alienação: a derivação da realidade espetacular a partir de uma percepção crítica e musicalizada sobre a própria época.

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